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Como subverter a colonialidade linguística

Este é o terceiro de três textos sobre como a colonialidade linguística se manifesta nas práticas de ensino de língua de uma prestígio.


No primeiro deles, conversamos sobre a postura de submissão à colonialidade que dita o tom de muito do que se entende por ensino de língua estrangeira no Brasil - mesmo quando sob o disfarce de abordagens "inovadoras", como bem sabemos.


E no segundo texto, eu te convidei a refletir sobre a importância de questionar muita coisa que a gente praticamente cresceu ouvindo - como a repressão da língua materna na aula de outra língua ou a ideia de "cultura" como curiosidades inúteis sobre países distantes.


Mas Marx - sim, aquele mesmo, o fantasma que quer tomar o seu Celta 2009 - já dizia que não basta compreender a realidade. É necessário transformá-la.



Por isso, não basta questionar a colonialidade linguística que nos assola, se esse questionamento não puder ser traduzido em uma transformação da experiência de aprendizagem dos nossos alunos.




Depois de identificar os indícios da colonialidade, a práxis pedagógica - isto é, a união entre teoria e prática para transformar a realidade educacional - nos permitirá construir uma Educação Linguística pós-método e translíngue.


Assim, combater a colonialidade é mais do que comparar qualquer país hegemônico ao Brasil a fim de mostrar que nem tudo lá é superior ao que temos aqui.


A subversão vai no sentido de superar a própria busca por essas comparações. E isso inclui as comparações entre as nossas práticas de ensino de uma língua de prestígio e de mobilização dos nossos repertórios linguísticos àquelas da Europa ou dos Estados Unidos.


Entretanto, é tênue a linha entre questionamento e subversão da colonialidade linguística. Faz parte de uma atitude crítica e questionadora o ato de incentivar comparações entre outra língua e a nossa, constituindo em sala de aula uma ecologia de saberes, de maneira horizontal, quase sem diferenciação entre a língua de prestígio situada do outro lado da linha abissal e as formas de expressão deste lado, o lado da colônia.


Porém, essa lógica só se aplica à forma da língua. No que concerne ao uso da língua, não há necessidade de ficar comparando as particularidades do povo brasileiro com as de quem nasceu em um país do Norte Global, a fim de buscar validação para todas as práticas linguísticas que saem dos padrões coloniais.


A comparação entre recursos linguísticos deve servir ao propósito de conferir mais recursos ao aprendiz, e não menos recursos – como ocorre nas propostas de bilinguismo de transição, nas quais a interação bilíngue ou translíngue é uma condição temporária, a ser sustentada somente até que se atinja o monolinguismo na língua de prestígio.


Monolinguismo esse que não admite o convívio entre repertórios translíngues em sala de aula, conferindo ares de questionamento à simples prática de comparar palavras em duas línguas próximas.


É assim que constatamos que a língua é uma prática social, e não um objeto. A língua é uso, não se restringe à forma. O uso deve se sobrepor à forma, na medida em que as interações humanas se sobrepõem às regras gramaticais: o sistema e o discurso são permeados pela ideologia.


Abrir-se à percepção da língua como ideologia é perceber que não é preciso comparar povos, nem línguas, pois as raças e as línguas são classificações artificiais engendradas pelo colonizador. É perceber que falantes fazem uso dos recursos de que dispõem para negociar significados e chegar a uma compreensão mútua, e qualquer categorização dessas negociações é puramente ideológica.


A ideologia está presente em tudo, e subverter a colonialidade linguística é mais do que necessário para combater a colonialidade de modo geral. Por esse motivo, questão linguística deve ser tratada como prioritária nas políticas educacionais para a conscientização crítica. Deve ocupar o lugar que lhe é de direito nas discussões de políticas públicas para a superação das desigualdades.


Que seja pauta nos movimentos por direitos humanos e alvo de ações afirmativas. Que venha futuramente a constituir um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.



Sim, prof, é necessário sonhar alto.



Como emancipar a população brasileira sem emancipá-la, primeiro, linguisticamente? Os direitos linguísticos estão entre os mais básicos direitos do ser humano, que é um ser social.


Concluo este texto, assim como concluí minha tese de doutorado, com o seguinte apelo que é também um compromisso da minha parte:


Que a tarefa de construir uma Educação Linguística em conformidade com os princípios da práxis pedagógica, voltada para a descolonização e a emancipação linguística do aprendiz brasileiro, nunca se dê por concluída.

 

Inspirado em:


MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Tradução de Luciano Cavini Martorano; Nélio Schneider; Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017 [1845].



Baseado em:


GRILLI, Marina. Submissão, questionamento e subversão da colonialidade linguística nas práticas de ensino de alemão para o público brasileiro. Tese de Doutorado em Educação. São Paulo: Faculdade de Educação da USP (FEUSP), 2023.

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