O dia Treze de Maio marca a suposta abolição da escravatura no Brasil, assinada por uma princesa branca, evento que deu origem a uma nova era do empobrecimento da população negra em nosso país.
Refletindo sobre essa data à luz do livro Lugar de Negro, que conta direitinho a história da criação do Movimento Negro Unificado no Brasil, me deparei com notícias recentes no âmbito da intolerância religiosa, que comprovam a força da ideologia colonial na sociedade brasileira contemporânea.
E se o racismo vem sendo banalizado e institucionalizado nos últimos anos, sob a égide de um ex-presidente abertamente fascista, o racismo religioso é um componente que não poderia faltar nessa equação.
A superioridade da "raça" branca e a família tradicional são duas das muitas invenções coloniais que vêm moldando as culturas ocidentais há mais de quinhentos anos. A força da colonialidade reside justamente na naturalização de uma perspectiva enquanto outras são tidas como estranhas, ou ainda, explicitamente incorretas e inferiores.
E este é o momento em que preciso esclarecer o seguinte: eu sei, eu sei, "nem todo crente", "nem todo cristão". Penso que quem chega até este espaço tem a consciência necessária para saber que não existe algo como cristofobia, mas é bom deixar explícito, né? Não estou afim de lidar com críticas de quem sente que a carapuça lhe serviu.
O ponto é que o marketing cristão sempre foi bem-sucedido em muitas frentes. Desde a época em que se tratava do culto a Jesus e as virtudes que ele pregava, até o atual foco no resgate de valores que vêm sendo questionados e na conquista de uma vida financeiramente confortável, a propaganda é muito bem pensada.
Para continuar no tema racial, basta observar a quantidade de pessoas não-brancas que frequentam igrejas cuja narrativa é baseada em demonizar as origens dessas mesmas pessoas. É bizarramente contraditório afirmar-se contra o racismo e ver beleza na narrativa de salvação de uma crença que se afirma como a única correta, relegando a uma eternidade de sofrimento aqueles que não a aceitarem.
Porque o sofrimento sempre foi provocado justamente pelo colonizador europeu, responsável por forçar o cristianismo a tantos povos nos continentes americano e africano.
E não é difícil perceber que qualquer "argumento" contra esses fatos históricos é baseado nas próprias escrituras cristãs: afirmam que seu deus é misericordioso, fazendo a escolha consciente de ignorar que nenhuma divindade criou qualquer religião.
Desse modo, pouco importa a personalidade do tal deus: a verdade é que seus devotos vêm se utilizando dos métodos da culpa e do medo para oprimir quem não se curva a ele.
O pensamento cristão está enraizado de tal forma na sociedade brasileira que, mesmo entre pessoas que não frequentam qualquer tipo de igreja, não aceitá-lo como verdadeiro soa como a pior das ofensas. Para alguns, está tudo bem em cultuar Orixás, deuses gregos, praticar mantras hindus ou budistas... desde que também se acredite em Jesus, porque, "ah, como é bonita a mistura de culturas no Brasil".
Percebe? A colonialidade religiosa imposta pelos cristãos ao povo brasileiro ao longo de séculos é um círculo vicioso, ou um beco sem saída.
No Brasil, essa questão está fortemente atrelada ao racismo. Primeiro, porque a colonização foi perpetrada pelos sacerdotes jesuítas, cuja imagem engenhosamente construída ao longo dos séculos foi a de padres bondosos e de coração puro. Se cometiam todo tipo de violência psicológica contra indígenas, sobretudo crianças, isso não importa: vale mais a narrativa inventada do que a realidade concreta.
Assim como são "casos isolados" os de evangélicos neopentecostais que incitam e cometem violência física e patrimonial contra praticantes de cultos afroindígenas, em nada relacionados às premissas de uma crença que se pretende a única opção de "salvação" de todos os seres humanos, certo?
Prof, enquanto não compreendemos as causas de um problema, continuaremos distantes de solucioná-lo. Se o que almejamos é uma sociedade mais , chega de fechar os olhos para o fascismo cristão. Que, sim, tem tomado proporções ainda mais assustadoras com o crescimento do neopentecostalismo e sua infiltração nas instituições políticas brasileiras, mas não surgiu agora.
Não surgiu com a eleição de Bolsonaro, nem com a popularização do discurso neoliberal em igrejas voltadas para o culto ao dinheiro, nem com a ascensão do monstro Edir Macedo e de outros não menos piores que detêm a concessão de canais de TV aberta e passam o dia falando de demônios à dona de casa brasileira.
A colonialidade é o próprio cerne do cristianismo. Sempre foi, pois é a premissa que embasa toda a sua lógica argumentativa, e todos as suas práticas de adoração em busca da "salvação" de um mundo criado por deuses que foram (e são) cultuados por quem respeita a terra e a todos os povos por igual.
A alma acima do corpo e a punição a quem busca os prazeres do corpo, tanto quanto a ilusão de superioridade em relação a todos os outros seres viventes, são pilares da lógica colonial europeia - como você já leu aqui, e eu te explico melhor aqui. Não existe separação entre cristianismo e colonialidade.
Entretanto, não foram somente as pessoas não-brancas que sofreram com a imposição dessa crença intolerante ao longo dos tempos. Na própria Europa, a Inquisição durou cerca de seiscentos anos! E cumpriu seu papel de exterminar adoradores da natureza, mulheres sábias e independentes, entre muitas outras personagens ameaçadoras à religião da verdade "única" e do terror psicológico.
É sobre isso que eu te convido a refletir nessa semana do treze de maio, prof: sobre o quão delicado é o papel da pessoa branca na construção de um mundo verdadeiramente descolonizado. Não se trata de não ler nem ouvir pessoas brancas a respeito de questões raciais, pois chega de jogar nas costas dos negros mais esse fardo, o de conscientizar sobre o racismo que sofrem.
Mas que saibamos nos aproximar de pessoas brancas que entendem o básico: a divisão racial entre seres humanos, e por consequência, entre as práticas culturais e religiosas de cada grupo étnico, foi uma mera estratégia para perpetuar o poder dos brancos sobre os demais.
E nenhuma religião imposta pelo colonizador pode te "salvar" dessa verdade.
Inspirado em:
GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Zahar, 2022 [1982].
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