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A colonialidade e a professora submissa

  • Foto do escritor: marina.grilli.s
    marina.grilli.s
  • 29 de mai. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 7 de abr.

O debate decolonial vem ganhando espaço no ensino de língua inglesa ao redor do mundo. No Brasil, vêm sendo publicados trabalhos relevantes na área desde 2020.


A premissa básica da qual decidi partir é a mesma que embasa todo o meu trabalho como pesquisadora, palestrante e formadora de professores:


O povo brasileiro se encontra distante do conhecimento de línguas de prestígio porque a maneira como essas línguas são ensinadas no Brasil foi pensada de modo a atender aos interesses coloniais dos países hegemônicos. E esses interesses são contrários a um projeto de emancipação linguística do povo brasileiro.

É verdade que essas afirmações podem parecer radicais demais à primeira vista. Porém, o medo da mudança não se sustenta diante de um olhar corajoso para a realidade: continuar buscando remediar o absoluto fracasso do ensino de línguas no nosso país só serve para reforçá-lo.


Se você acompanha meu trabalho já sabe, a essa altura, que uma pesquisa do Conselho Britânico de 2014 revelou um taxa de apenas 5% de conhecimento satisfatório da língua inglesa entre o público brasileiro.


Não temos dados mais recentes, nem sobre outras línguas, mas não há motivos para acreditar que as coisas estão melhores hoje do que na época do programa Ciência sem Fronteiras - muito menos para línguas menos populares do que o inglês, certo?


Entra década, sai década, entra método, sai método, entra gamificação, sai quadro-negro, e o ensino de línguas no Brasil continua sendo sinônimo de fracasso. É difícil pensar em outra palavra que o simbolize.


Que aula chata
Que aula chata

Diante desse cenário - ou melhor, completamente imersa nele -, passei os últimos anos trabalhando para conscientizar professores de que o problema está em insistirmos no ensino baseado nas diretrizes coloniais: aquelas que vendem os povos brancos como superiores, mais civilizados e dotados de conhecimento mais erudito do que todos os outros no globo.


E mesmo que o pensamento decolonial não seja novidade na América Latina, tendo se ramificado pelos mais diversos campos das Ciências Sociais ao longo de décadas, a ideia ainda parece “radical demais” a muitos professores de língua brasileiros… que não conseguem enxergar um palmo além do Quadro europeu comum e das certificações estadunidenses.


Após alguns anos observando esse fenômeno, mais uma das inúmeras manifestações do quanto o povo brasileiro não tem a menor consciência de sua identidade latina, decidi mapear três posicionamentos diferentes em relação colonialidade linguística que impera em nosso país: submissão, questionamento e subversão.


A postura de submissão à colonialidade linguística é caracterizada pela recusa, muito consciente, em pensar fora da caixa EUA - Europa Central.


Como se os professores de línguas brasileiros fossem reconhecidos como representantes autênticos dos interesses desses países, ao transmitir uma visão romantizada daquilo que se entende por cultura, e insistir na perda de tempo com uma pronúncia supostamente igual à do falante nativo.


Isso porque a professora submissa à colonialidade é aquela que não se dá conta de que jamais será falante nativa - e de que não é a sua experiência em um daqueles países, ou a falta dela, que determina seu valor profissional.


O professor submisso não se sente confortável em ouvir uma palavra sequer em outra língua que não seja aquela ensinada - nem mesmo o português brasileiro, língua materna de seus alunos, e provavelmente sua também. Mas, se estiver de muito bom humor, pode até ser que ele finja não ter ouvido nada e continue sua aula monolíngue.


A professora submissa à colonialidade linguística tem como referência máxima de autonomia docente o ato de adaptar o material didático importado à realidade dos alunos - desde que a gramática e o vocabulário predefinidos no livro permaneçam inalterados.


Hora de ouvir aquela música bem jovem
Hora de ouvir aquela música bem jovem

E quando decide variar um pouco as atividades na aula, o professor submisso não tem a menor dúvida do que fazer: busca logo uma música ou episódio de seriado "clássico", certamente de um país que pertence a um grupo de 5 ou 6 dentre os 193 países do mundo.


E a partir dessa obra... tome gramática e vocabulário.



Será que algo nesse texto te parece familiar, prof?


Como se diz no Nordeste, "chega fiquei" arrepiada só de lembrar dessas coisas. Ainda bem que hoje não precisamos de mais nada disso.


Hoje a gente pode transformar qualquer conteúdo em aula, sem depender de materiais vindos dos países hegemônicos. A gente pode aprender como usar IA do jeito certo, sem tornar o aluno dependente dela e sem medo de sermos substituídas. A gente pode levar o aluno a falar espontaneamente desde o nível iniciante.


É o que fazemos na comunidade Além da Língua: somos centenas de professores de várias línguas, espalhados por todos os cantos do Brasil, ensinando de um jeito que faz sentido para o aprendiz brasileiro.

Derrubando a colonialidade linguística.


E você pode escolher se juntar a nós, sem precisar passar por todo esse percurso de pesquisa que me tomou dez anos. O caminho já está aberto e é só clicar aqui, para nunca mais precisar abaixar a cabeça pras ordens de "nativo" algum.


 

Inspirado em:


BRITISH COUNCIL. Demandas de aprendizagem no Brasil. Elaborado com exclusividade para o British Council pelo Instituto de Pesquisa Data Popular. São Paulo, 2014.


GRILLI, Marina. Submissão, questionamento e subversão da colonialidade linguística nas práticas de ensino de alemão para o público brasileiro. Tese de Doutorado em Educação. São Paulo: Faculdade de Educação da USP (FEUSP), 2023.

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