O que significa ensinar língua estrangeira?
Significa ensinar novos recursos linguísticos e possibilidades de expressão? Apresentar outras culturas? Capacitar para enxergar novos pontos de vista?
É claro que nenhuma dessas definições está errada. Mas vamos tentar desconstruir algumas camadas desse pensamento. Afinal, é para isso que estamos aqui!
Em primeiro lugar, precisamos saber o que é língua. O conceito de língua foi inventado como parte do projeto da modernidade europeia, servindo de base para a conquista de territórios em todo o mundo. Já falamos um pouco sobre isso aqui e aqui.
Em segundo lugar, o que significa a palavra "estrangeira"?
Uma rápida pesquisa no Google traz a seguinte resposta:
Estrangeiro, portanto, é aquele que não pertence a determinado lugar.
E a verdade é que muita gente tem ensinado línguas como se elas não nos pertencessem: nem a quem aprende, nem a quem ensina, nem a quem só quer se comunicar sem parecer estrangeiro. Não é?
Certificações excludentes com base em métricas internacionais, materiais didáticos importados, pronúncia próxima a um ideal nativo ultrapassado... assombrações que nos rondam!
Em cursos e eventos de formação docente, a presença de um palestrante estrangeiro costuma conferir determinado status.
E qual é a mensagem que está sendo transmitida ao corpo docente em formação nesses cursos e eventos? A de que nunca serão o suficiente.
Portanto, qual é a mensagem que tais profissionais poderão transmitir a quem aprende?
Certamente não será uma mensagem de reflexão crítica sobre o papel das línguas na sociedade, de empoderamento, de autossuficiência, de decolonialidade... em vez disso, continuam sendo reproduzidos os padrões hierárquicos segundo os quais a língua pertence a outrem, nunca a nós.
Termos como segunda língua, terceira língua, língua adicional e língua de acolhimento, entre vários outros, são capazes de amenizar esse estigma do estrangeiro - que vem de raízes nacionalistas... mas essa é outra história, que podemos discutir em outro post.
É possível ensinar línguas e formar cidadãos conscientes ao mesmo tempo, sim. O primeiro passo para isso é superar o ensino de língua estrangeira e abraçar as premissas da Educação Linguística.
Este texto foi escrito em linguagem neutra de gênero. Doeu? ;)
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