Como inserir a intercompreensão nas suas aulas de língua
- marina.grilli.s
- 20 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: há 4 dias
Já sabemos que a Educação Linguística é uma proposta de ensino de línguas que vai além do tradicional, isto é, da transmissão de regras gramaticais e do cumprimento de tarefas comunicativas.
Existem muitos recursos para oferecer Educação Linguística de qualidade, garantindo uma aprendizagem de línguas significativa para o povo brasileiro. Vamos discutir um deles: a intercompreensão.

A definição mais comum de intercompreensão é a competência de compreender uma língua sem tê-la aprendido formalmente, com base apenas na transferência de palavras conhecidas em outras línguas.
Assim, a intercompreensão proporciona rápido acesso a outras línguas, sem a necessidade de passar anos estudando uma única língua até dominar as competências básicas, para somente então vivenciar a realidade que aquela língua proporciona.
Existem outras duas definições para a intercompreensão: ela pode ser vista como estratégia de comunicação, quando duas pessoas não conhecem nenhuma língua em comum e falam suas respectivas línguas maternas, ou como um método para aprender línguas.

No ensino de línguas, a intercompreensão como método ou abordagem de ensino parte de termos e estruturas conhecidas em outras línguas.
É a partir daí que o aluno constrói o entendimento da língua-alvo, para então passar à produção.
As características da intercompreensão no ensino são:
consideração do plurilinguismo como estratégia, meio e fim;
didatização dos espaços de contato entre as línguas, considerando a contrastividade;
valorização e exploração sistemática da atividade cognitiva de quem aprende, encorajando a responsabilização sobre a própria aprendizagem;
aceitação da dissociação temporal e do desequilíbrio entre as competências linguísticas.
Se o plurilinguismo é a premissa da aula de língua baseada na intercompreensão, isso significa que não há espaço para a exclusão de recursos linguísticos. Muito pelo contrário! Todos eles são sempre bem-vindos.
Justamente por isso, outro ponto-chave do trabalho com a intercompreensão é a autonomia de quem aprende: se não há restrições autoritárias a qualquer recurso que faça parte da história de cada aprendiz, o papel docente nesse percurso de aprendizagem é orientar, e não transmitir o conhecimento como se fosse um objeto.
Assim, a intercompreensão faz com que o objetivo da aprendizagem deixe de ser uma suposta competência comunicativa perfeita na nova língua, deslocando-o para o desenvolvimento de um repertório linguístico-comunicativo pautado pela diversidade.
Bem, será que apresentar as principais vantagens da intercompreensão significa defendê-la como método infalível para o ensino de línguas?
É claro que não!
Conforme se tem debatido à exaustão há pelo menos três décadas, não existe método perfeito, pois o sucesso das estratégias adotadas depende de quem está aprendendo. Aliás, essa verdade torna muito difícil avaliar o sucesso ou fracasso de determinado método de ensino em pequenos grupos: o que o aluno faz fora da sala de aula é praticamente impossível de mensurar.
No Brasil, por exemplo, dado o baixo conhecimento de outras línguas que não o português brasileiro pela população em geral, não são muitas as opções de línguas das quais partir em um ensino pautado na intercompreensão.

De qualquer forma, a intercompreensão tem o potencial de promover a autonomia de aprendizes, de despertar a consciência linguística por meio da contrastividade, e de aumentar as oportunidades de aprendizagem – três das macroestratégias pós-método!
Vale a pena refletir: será que dá pra inserir elementos da intercompreensão nas suas aulas de língua?
Mesmo em se tratando de aprendizes que não tiveram oportunidade de estudar outras línguas anteriormente, é possível começar com dois passos simples, porém revolucionários.
O primeiro deles é jamais reprimir a comparação com outras línguas durante a aula. Vamos reforçar: muito pelo contrário! Ela deve ser incentivada. Afinal, professores adoram falar sobre como aprender exige conexão com os conhecimentos prévios do aluno, né? Principalmente em matéria de língua.
Por que isso não valeria para os conhecimentos prévios de outras línguas?
O segundo passo é resgatar algo que acabamos esquecendo, em meio a tantas aulas que precisamos preparar, e a tantas novidades do ensino online que precisamos acompanhar: antes de docentes, somos aprendizes.
Todo mundo aqui, sem exceções, aprende língua. A começar pela nossa língua materna, que é viva, orgânica, e, quando pensamos tê-la dominado, surgem mudanças que nos obrigam a superar uma série de conceitos, agora já ultrapassados.
Para praticar uma Educação Linguística que acolhe a intercompreensão como possibilidade, é importante recuperarmos uma postura ativa de aprendizagem. Quantas palavras do inglês ou do alemão vieram do francês? Ou melhor: quantas palavras das línguas anglo-germânicas têm origem latina, embora a pronúncia tenha sido modificada?
E no nosso português, quantas palavras de uso corrente vieram do inglês? Quantas delas mantiveram seu significado, e quantas outras tiveram o significado modificado, apesar de ainda escritas da mesma forma?

A abertura para a intercompreensão na aula de língua exige que a professora tenha alguns exemplos na ponta da língua.
Dessa forma, o aluno ganha por evoluir mais rápido e de forma mais consciente e autônoma; e a professora também ganha, por resgatar a paixão que nos levou a escolher essa profissão, em primeiro lugar.
Para aprender mais sobre estratégias de intercompreensão na aula de outra língua para brasileiros, com estratégias comprovadas por professores de várias línguas e de todo o Brasil, clique aqui e saiba como ensinar Conversação que funciona.
Baseado em:
ANDRADE, A. I.; MARTINS, F. Em torno do conceito de intercompreensão: desafios e possibilidades na formação de pós-graduada de professores. In: MORDENTE, O. A.; FERRONI, R. (Eds.). Novas tendências no ensino/aprendizagem de línguas românicas e na formação de professores. São Paulo: Humanitas, 2015, p. 158-188.
ARAÚJO E SÁ, Maria Helena. A intercompreensão em didática de línguas: modulações em torno de uma abordagem interacional. Linguarum Arena, v. 4, 2013, pp. 79-106.
BRITO, Karin S. A promoção da competência multilíngue na escola: encorajando possibilidades. Calidoscópio, v. 11, n. 1, 2013, 63-69.