A mercantilização das crianças
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A mercantilização das crianças

Atualizado: 5 de abr. de 2021

Tenho percebido que os textos aqui no blog que tratam de temas considerados polêmicos costumam ter uma boa repercussão: linguagem neutra, português na aula de inglês e métodos nunca mais estão sempre em alta.



Mas alguns textos, igualmente polêmicos (ou até mais), ultrapassam a discussão teórica e explicitam sérias controvérsias no discurso supostamente "educacional" que reflete a ideologia dominante. E este é mais um deles.



Quem anda prestando atenção às movimentações do mercado educacional já sabe: os discursos governamentais que discutem modelos de educação não vêm de profissionais dessa área, e sim, da medicina, da psicologia, da neurociência... da economia e da administração.


Grande parte dessas pessoas tem vínculo com institutos e fundações empresariais, o que faz com que a gente questione suas motivações.


Não, não se trata de jogar no lixo tudo que as instituições não-governamentais têm feito: trata-se de reconhecer que, nas empresas da educação, quem menos tem espaço é quem educa (conforme já denunciamos aqui).


No livro Educação contra a barbárie, Bianca Correa mostra mais um aspecto dessa perigosa realidade, dessa vez em relação à educação infantil.


A autora menciona “a velha teoria do apego, segundo a qual se o bebê não for cuidado pela mãe, sofrerá danos irreversíveis pelo resto da vida”. E observa que esse discurso tem servido para negligenciar a oferta de vagas nas creches públicas, ao mesmo tempo em que se cria uma série de apetrechos supérfluos a serem adquiridos por quem cuida da criança em casa.


Fechando o círculo, essa é a estratégia perfeita para continuar mantendo as mulheres em casa, fora do mercado de trabalho, controlando-as e cerceando suas possibilidades!


Um exemplo citado no texto é o documentário O começo da vida, de 2016, que mostra mães periféricas que supostamente "escolheram" deixar o emprego para ficar em casa com seus bebês - obviamente, sem mencionar que elas dificilmente encontrariam vagas em creches públicas.


Aparecem também no documentário alguns comentários de profissionais da educação sobre as condições de trabalho problemáticas que encontram, nas creches e nas pré-escolas.


Bianca Correa explica que o papel do Estado vem sendo ressignificado: de provedor do direito à educação, ele se transforma em parceiro da iniciativa privada.


Enquanto isso, "as famílias" - isto é, as mães - cuidam e educam suas crianças em casa. A repetição desse ciclo faz com que elas tenham cada vez menos chance em um mercado de trabalho ainda profundamente machista e retrógrado, e que a nossa sociedade esteja cada vez mais distante de implementar direitos básicos como a licença compartilhada entre mãe e pai.


Como consequência, ainda temos o reforço de uma mentalidade de que pai "ajuda", e não cuida por igual, pois tem menor responsabilidade sobre a criança do que a mãe...


Isso leva à manutenção da jornada tripla feminina, reduzindo as possibilidades de a mulher se dedicar aos estudos ou a um emprego (que dificilmente conseguirá), tornando-a dependente financeira do marido e, portanto, muito mais sujeita à violência doméstica.


Entendeu o tamanho do problema?


Entendeu por que o direito à educação deve ser sobrado pela população como obrigação do Estado, sem nos deixarmos enganar pelo discurso de "escolha" individual?



 

Inspirado em:


CORREA, Bianca. Educação na primeira infância: direito público x capital humano. In: CÁSSIO, Fernando. (Org.). Educação contra a barbárie. Por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. São Paulo: Boitempo, 2019, pp. 83-89.



Este texto foi escrito em linguagem neutra de gênero. Doeu? ;)

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