Tenho percebido que os textos aqui no blog que tratam de temas considerados polêmicos costumam ter uma boa repercussão: linguagem neutra, português na aula de inglês e métodos nunca mais estão sempre em alta.
![](https://static.wixstatic.com/media/11062b_f3a41c7e10e84e7b933e0be6133313ac~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_98,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/11062b_f3a41c7e10e84e7b933e0be6133313ac~mv2.jpg)
Mas alguns textos, igualmente polêmicos (ou até mais), ultrapassam a discussão teórica e explicitam sérias controvérsias no discurso supostamente "educacional" que reflete a ideologia dominante. E este é mais um deles.
Quem anda prestando atenção às movimentações do mercado educacional já sabe: os discursos governamentais que discutem modelos de educação não vêm de profissionais dessa área, e sim, da medicina, da psicologia, da neurociência... da economia e da administração.
Grande parte dessas pessoas tem vínculo com institutos e fundações empresariais, o que faz com que a gente questione suas motivações.
Não, não se trata de jogar no lixo tudo que as instituições não-governamentais têm feito: trata-se de reconhecer que, nas empresas da educação, quem menos tem espaço é quem educa (conforme já denunciamos aqui).
No livro Educação contra a barbárie, Bianca Correa mostra mais um aspecto dessa perigosa realidade, dessa vez em relação à educação infantil.
A autora menciona “a velha teoria do apego, segundo a qual se o bebê não for cuidado pela mãe, sofrerá danos irreversíveis pelo resto da vida”. E observa que esse discurso tem servido para negligenciar a oferta de vagas nas creches públicas, ao mesmo tempo em que se cria uma série de apetrechos supérfluos a serem adquiridos por quem cuida da criança em casa.
Fechando o círculo, essa é a estratégia perfeita para continuar mantendo as mulheres em casa, fora do mercado de trabalho, controlando-as e cerceando suas possibilidades!
![](https://static.wixstatic.com/media/11062b_fee53c1a07dd4cb49b7441c062c2e28a~mv2.jpeg/v1/fill/w_147,h_221,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/11062b_fee53c1a07dd4cb49b7441c062c2e28a~mv2.jpeg)
Um exemplo citado no texto é o documentário O começo da vida, de 2016, que mostra mães periféricas que supostamente "escolheram" deixar o emprego para ficar em casa com seus bebês - obviamente, sem mencionar que elas dificilmente encontrariam vagas em creches públicas.
Aparecem também no documentário alguns comentários de profissionais da educação sobre as condições de trabalho problemáticas que encontram, nas creches e nas pré-escolas.
Bianca Correa explica que o papel do Estado vem sendo ressignificado: de provedor do direito à educação, ele se transforma em parceiro da iniciativa privada.
Enquanto isso, "as famílias" - isto é, as mães - cuidam e educam suas crianças em casa. A repetição desse ciclo faz com que elas tenham cada vez menos chance em um mercado de trabalho ainda profundamente machista e retrógrado, e que a nossa sociedade esteja cada vez mais distante de implementar direitos básicos como a licença compartilhada entre mãe e pai.
Como consequência, ainda temos o reforço de uma mentalidade de que pai "ajuda", e não cuida por igual, pois tem menor responsabilidade sobre a criança do que a mãe...
Isso leva à manutenção da jornada tripla feminina, reduzindo as possibilidades de a mulher se dedicar aos estudos ou a um emprego (que dificilmente conseguirá), tornando-a dependente financeira do marido e, portanto, muito mais sujeita à violência doméstica.
Entendeu o tamanho do problema?
Entendeu por que o direito à educação deve ser sobrado pela população como obrigação do Estado, sem nos deixarmos enganar pelo discurso de "escolha" individual?
![](https://static.wixstatic.com/media/fe7c63d6306ec3f076aabdef5a19bfaf.jpg/v1/fill/w_147,h_98,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_auto/fe7c63d6306ec3f076aabdef5a19bfaf.jpg)
Inspirado em:
CORREA, Bianca. Educação na primeira infância: direito público x capital humano. In: CÁSSIO, Fernando. (Org.). Educação contra a barbárie. Por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. São Paulo: Boitempo, 2019, pp. 83-89.
Este texto foi escrito em linguagem neutra de gênero. Doeu? ;)