Editoras predatórias: entre ciência e ignorância
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Editoras predatórias: entre ciência e ignorância

Este texto é um pouco diferente dos outros, porque não trata especificamente de educação nem de linguística. Mas o tema é fundamental para quem trabalha em qualquer área do conhecimento humano, inclusive a Educação e a Linguística.


Esta semana, recebi mais um e-mail de periódico predatório me convidando (ou seria assediando?) para publicar um artigo lá. Decidi escrever a respeito porque talvez as pessoas de fora da academia não saibam do que se trata; talvez, muitas de dentro dela também não.


E não saber é um perigo! Principalmente no Brasil atual, onde o conhecimento sobre o que é ciência é tão baixo que se tem duvidado dela cada vez mais.



Basicamente, existe um procedimento bem sério pra publicar qualquer artigo em periódicos científicos: a revisão cega por pares.


Isso significa que cada artigo submetido a um desses periódicos é enviado a duas pessoas da mesma área de especialidade. Essas duas pessoas emitem um parecer sobre o artigo sem saber quem o escreveu, evitando conflitos de interesse.


Esse parecer segue critérios como a atualidade do referencial teórico e a validade do estudo empírico: amostragem, critérios de exclusão e inclusão, entre outros que variam conforme a área do conhecimento.


É por isso que os pareceres são confiáveis! Em caso de divergência entre pareceres, o artigo é submetido a uma terceira avaliação.


A avaliação também pode ser duplo-cega: quem avalia não sabe quem escreveu, e quem escreveu também não sabe quem avalia.


Os periódicos chamados predatórios, por sua vez, não seguem padrões de qualidade. A equipe dessas revistas encontra na internet o nome e o endereço de e-mail de qualquer pessoa que já tenha publicado um artigo, ou escrito uma dissertação ou tese, e entra em contato convidando essa pessoa a publicar com a empresa.

As propostas parecem atraentes: o simpático e-mail oferece vantagens incomuns em editoras sérias. Veja um trecho verídico ao lado.


E é assim, com esse aspecto de seriedade, que essas empresas enganam as pessoas: o trabalho publicado nesse tipo de editora recebe o ISBN, mas ela não imprime uma tiragem mínima do livro, muito menos trabalha para divulgá-lo e vendê-lo... tudo isso fica sob responsabilidade de quem, então? De quem escreve?


É isso mesmo! Repare no que a mensagem diz: o processo de publicação é livre de custos, mas a definição de publicar é tão somente registrar a obra com ISBN. Nada é dito sobre impressão.


Outras editoras predatórias não oferecem a opção de "publicar" sem custos, estabelecendo uma tiragem mínima de exemplares físicos, além da tal venda a nível mundial.


Na prática: você escreveu, você paga pela impressão, você dá um jeito de vender (inclusive para o exterior, cobrindo todos os custos), e a editora se apropria do "feito" de ter publicado a obra... e assim a empresa vai atraindo novas vítimas, isto é, publicações!


Ainda há quem pergunte: mas tem algum problema em publicar uma dissertação com esse tipo de editora, caso ela não esteja disponível para download em nenhuma base de dados?


Ou submeter um artigo já publicado em revista científica, isto é, já avaliado por pares, como capítulo de uma coletânea desse tipo de editora?


Sim, tem problema!


Além de não contar pontos no currículo para qualquer processo seletivo de pós-graduação ou concurso público, esse tipo de prática já é conhecida em muitos outros setores, como alternativa fácil para publicar absolutamente qualquer coisa que se queira.


É isso mesmo: não se trata apenas de publicações relacionadas a pesquisa acadêmica. Não é porque profissionais da ciência recebem esse tipo de convite, que ele se restringe a essa área. Pelo contrário! Como a editora se sustenta a partir de quem paga para divulgar o próprio trabalho, é óbvio que ela não tem interesse em recusar nada.


Em outras palavras, quem escreve um trabalho de qualidade, mas publica dessa forma, está simplesmente queimando o próprio nome. A ingenuidade em querer "divulgar" o próprio trabalho pode acabar custando caro.


Bem, mas como saber se a editora que está te convidando para publicar é predatória, isto é, visa apenas à quantidade de publicações, sem qualquer preocupação com a qualidade?


Em primeiro lugar, a não ser que você seja influencer de grande fama ou algo do tipo, o fato de ter uma editora te sondando já prova que ela e predatória.


Sinto muito, mas nenhuma editora séria se prestaria a insistir na publicação de um trabalho específico de pós-graduação ou similar, sem saber que há um grande público interessado em comprar a obra.


Em segundo lugar, quem não tem esse tipo de projeção e envia seu trabalho a uma editora séria costuma esperar meses e meses até obter uma resposta, que pode ser positiva ou negativa.


Essa resposta é fruto de uma avaliação por profissionais competentes, que observam não só a qualidade do conteúdo, mas também o estilo de escrita e a coesão, e, principalmente, o quanto a obra se adequa ao público-alvo da editora.


Em terceiro lugar, caso ainda reste dúvida, o artigo da Wikipedia sobre editoras predatórias lista suas características, conforme mostra o print ao lado.


Por último, existe uma lista atualizada de periódicos e editoras predatórias neste site em português, que explica também a metodologia empregada para chegar a esses resultados. Exatamente como a boa ciência deve ser.


Está claro que a perversidade dessas editoras é conhecida mundialmente. Não podemos cair na ilusão de analisar um convite em isolado, feito a quem ainda tem pouca ou nenhuma experiência em publicação, e pensar que "não tem nada demais", "melhor isso do que nada".


Afinal, quão diferente poderia ser a situação do Brasil atual, se não fosse tão fácil publicar ideias aleatórias cisvestidas de conhecimento especializado?


Textos em blog, colunas, livros, vídeos... quantas afirmações e notícias sem fundamento algum têm enganado o povo brasileiro?


A falta de discernimento sobre o que é fato e o que é opinião tem levado a uma desvalorização cada vez mais profunda da atividade docente, enquanto pessoas totalmente desprovidas de competência seguem ganhando visibilidade, e até mesmo cargos públicos...


Entendeu por que nós, profissionais da educação, jamais podemos compactuar com as práticas das editoras predatórias?


Ciência é coisa séria. Respeite e valorize o trabalho de quem produz ciência!


 

Este texto foi escrito em linguagem neutra de gênero. Doeu? ;)

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