As três tendências da educação: para onde estamos indo?
- marina.grilli.s
- 5 de mar. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de ago.
Todo mundo já sabe que estamos vivendo tempos de incerteza por todo lado: no campo financeiro, climático, político, e assim por diante. Claro que a Educação, prática social por excelência, não passa ilesa... ou não deveria passar, né? Continuar ensinando como se fazia décadas atrás é, sem sombra de dúvida, um erro grave.

Segundo o autor Cipriano Luckesi (1994), existem três grandes tendências da educação: a tendência reprodutora, a tendência redentora e a tendência transformadora.
A tendência reprodutora parte da ideia de que a educação não está à margem da sociedade: ao contrário, ela é determinada pelas condições sociais, políticas e econômicas do tempo e do lugar em que está inserida. Uma das teorias que se enquadram nessa tendência é a de Althusser (1970), que aponta a escola como um dos aparelhos ideológicos do Estado, ao lado de instituições como as igrejas e os meios de comunicação.
Esses aparelhos ideológicos funcionam lado a lado com os aparelhos repressivos do Estado, como a polícia ou o sistema judiciário, mas com uma diferença: eles não impõem pela força, e sim pela ideologia. O objetivo? Manter viva a lógica de mundo da classe dominante. Mesmo com contradições e variações, é essa ideologia dominante que vai sendo reproduzida, e a escola tem papel-chave nesse processo (ALTHUSSER, 1970, p. 48).
É fácil relacionar a ideia de uma tendência reprodutora da Educação ao conceito de sociedade disciplinar de Foucault - o famoso "vigiar e punir". O bom funcionamento desse tipo de sociedade, e, portanto, da aprendizagem, se constrói pela obediência e pelo dever.
No ensino de línguas, a tendência reprodutora se verifica nos métodos focados na perfeição gramatical acima da capacidade de expressão do aluno - ainda muito em voga no Brasil, infelizmente. Mesmo que os professores digam o contrário, é isso que reproduzem durante a maior parte do tempo de suas aulas.
Mais do que isso, a tendência reprodutora foca em absorver as expressões idiomáticas, os estereótipos culturais e, principalmente, a pronúncia do "nativo". Existem inúmeras camadas de erros nessa postura, mas o que cabe reforçar aqui é: não está funcionando.

Já a tendência redentora busca suavizar o cenário. Ela coloca a educação como instrumento capaz de restaurar uma certa harmonia social, fazendo pequenos ajustes para manter o equilíbrio.
Aqui, a escola funciona como instituição reguladora, como se observasse a sociedade de fora, tentando consertar o que está desalinhado sem mudar a estrutura de base.
É nesse modelo que a educação é vendida como um caminho possível para a ascensão social. A classe dominante, que controla o sistema educacional, oferece recursos para formar trabalhadores eficientes e promete, em troca, a chance de “subir na vida”. Só que essa promessa é enganosa.
É aí que entra a ideia de redenção: o Estado parece estar oferecendo, de forma generosa, uma oportunidade de ascensão por meio do estudo, enquanto está apenas alimentando uma ilusão. Porque a verdade é que a estrutura social depende da existência das classes mais baixas para continuar funcionando como está.
Ou seja: não há redenção possível dentro do próprio sistema. Não basta estudar ou se esforçar para “vencer na vida”, se o sistema já está armado para impedir que isso aconteça para todos. Não existe solução dentro do problema.
É claro que essa ilusão da educação redentora não resiste a uma análise superficial sobre como funciona a divisão da sociedade em classes. A existência de classes mais baixas é condição para a reprodução dessa mesma estrutura social, e, portanto, não existe possibilidade real de redenção.
No fim das contas, a distância entre a tendência reprodutora e a redentora não é tão grande quanto parece. Em termos práticos, ambas mantêm o status quo: uma pela naturalização da estrutura, outra pela promessa de inclusão dentro dela. O foco ainda é receber a validação de quem detém o poder.
No ensino de línguas, a tendência redentora também quase não se diferencia da reprodutora. É central aqui o entendimento de que é possível um falante se tornar fluente apesar de não ser nativo. Apesar de manter no sotaque a marca de suas origens.
Apesar de não ter tido a oportunidade de vivenciar uma experiência no exterior que validasse não o seu conhecimento, mas o seu pertencimento a uma camada elitizada da sociedade: aquela que tem acesso a línguas de prestígio.
É assim que a tendencia redentora não soluciona o problema, e sim, faz parte dele.
Conforme explica Dermeval Saviani (1986), é necessário formular “uma teoria crítica, transformadora, [...] do ponto de vista dos interesses dos dominados, já que a classe dominante pretende apenas acionar mecanismos de adaptação que evitem a transformação”.
Por isso, a terceira tendência possível é a educação transformadora: uma educação que não reproduza a pirâmide social como é, mas que trabalhe para derrubá-la.

Para Saviani, a dificuldade em atingir esse estado na educação é resumida na seguinte questão:
até que ponto as mudanças no sentido de uma transformação da sociedade pela educação, não são, na verdade, meras medidas redentoras, destinadas a manter os grupos subordinados satisfeitos em sua posição?
Como saber se determinado auxílio ou ação afirmativa faz parte de um real compromisso com uma transformação social profunda?
A aparente dificuldade em responder a essa pergunta é um indicativo do quanto as nossas categorias de análise da realidade são colonizadas. Apáticas, acríticas, apolíticas.
Esse é o maior problema que precisamos enfrentar, se quisermos ver o povo brasileiro fluente em outras línguas: como a Educação Linguística pode parar de reproduzir e reforçar desigualdades, mesmo quando parece que não?
O início dessa resposta passa por construir categorias que "validem" o falante a partir de sua capacidade de expressar-se livremente, algo muito diferente de agir conforme o esperado dentro de um contexto pré-definido por agentes externos, a fim de agradar às expectativas do tal nativo.
Construir essas categorias, a partir de uma filosofia de ensino que vai Além da Língua, é exatamente o que faremos na imersão presencial que vai acontecer no dia 5 de outubro, em São Paulo.
Mais do que teoria e prática, teremos Práxis: transformação da realidade. Mais do que atividades dirigidas a serem completadas, teremos muito espaço para a criação de propostas radicalmente inovadoras, em horizontalidade. em debate e ação.
Mais do que aprender, você vai questionar. Mais do que praticar, você vai agir.
E sairemos de lá, todas nós, mais do que prontas para ensinar qualquer brasileiro a falar sem medo e sem vergonha. Desde a primeira aula. De um jeito que motiva porque faz sentido.
Você está esperando por essa oportunidade há muito tempo. Vem, prof.
Baseado em:
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Notas para uma investigação. Trad. Joaquim José de Moura Ramos. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1970.
FOGAÇA, Francisco Carlos; GIMENEZ, Telma Nunes. O ensino de línguas estrangeiras e a sociedade. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 7, n. 1, 2007, 161-182.
LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez. 1994.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez Editora, 1986.
YOUNG, M. From Constructivism to Realism in the Sociology of the Curriculum. In: Review of Research in Education, 32, 2008, pp. 1-28.