Palavra-cruzada
- marina.grilli.s
- há 11 minutos
- 3 min de leitura

Eu sempre amei ler. Leio com a mesma facilidade de hoje desde que tinha 3 anos de idade. Mas sempre fui péssima no jogo de palavra-cruzada.
Aí inventaram uma versão facilitada desse jogo lá no LinkedIn, o Crossclimb. É bem tranquila mesmo, mas é em inglês - e eu continuo sendo péssima nisso!
Estou te contando esse fato absolutamente irrelevante pelo seguinte motivo, prof: assim como ter um desempenho péssimo nesse tipo de jogo não tem absolutamente nada a ver com a sua competência para ensinar a língua em questão, também não tem absolutamente nada a ver com a sua fluência na língua.
E não adianta fingir que já sabia disso, mas continuar avaliando o seu aluno pela quantidade de palavras que ele consegue inserir num diálogo sobre temas predefinidos por você, ok?
Decorar palavras não é difícil. Lembrar-se delas somente a partir de dicas sobre seu significado, como acontece em jogos de palavra-cruzada... ok, isso pode ser difícil. Mas, seja como for, a verdade é que nenhuma dessas duas ações pesa tanto na fluência quanto o seu aluno imagina (e você acaba endossando).
Sabe por quê?
Porque "saber" não é uma coisa só, uma questão de SIM ou NÃO. E também não se resume a níveis, sabia? O conhecimento não é linear, desse jeito que nos ensinaram pra criar a ilusão de que basta comprar o próximo passo.
Tem o conhecimento enciclopédico, que é o conhecimento de mundo, a noção, o bom senso, o "contém ovos". Aquelas manhas que a gente vai catando pela vida afora.
Tem o conhecimento declarativo, que é literalmente o que você consegue declarar: qual é a fórmula química da água? Misturar azul e amarelo dá qual cor? Quem assumiu a presidência no Brasil a partir do golpe de 2016 e instituiu enormes retrocessos para a classe trabalhadora? Quantos meses tem o ano?

E tem o conhecimento procedimental ou procedural: aquele com o qual a gente faz alguma coisa, implementa mesmo. O uso da língua está basicamente nessa categoria.
É por esse motivo que estudar gramática e vocabulário não torna ninguém fluente: porque só o conhecimento declarativo está sendo mobilizado aí.
E é por isso que tanta gente faz "aula de conversação" e continua não saindo do lugar: porque esse tipo de aula costuma focar naquele "bate-papo leve", ou seja, raso e superficial, mal tocando o conhecimento enciclopédico para fazer comentários sobre assuntos avulsos.
Mas cadê o procedimento do que fazer com a língua? O "se virar", mesmo sem ter decorado o vocabulário nem a gramática ideais para aquela situação?
Simplesmente não está presente. Em nenhuma abordagem importada, treinamento "internacional", "método" meia-boca tirado das vozes da cabeça de uma professora qualquer, Duolingo ou ChatGPT.
Saber usar a língua pra valer, com espontaneidade e autonomia - ou seja, a tal da fluência - exige que a gente enxergue Além da Língua, do vocabulário, da gramática e de toda essa enrolação que toma conta das aulas, como se o objetivo delas fosse justamente desencorajar a fala espontânea (spoiler: muitas vezes, é, mesmo).
Exige que a gente passe a considerar as interações genuínas entre seres humanos brasileiros como ponto de partida para o ensino e a aprendizagem.
Se você já se cansou dessas "soluções" importadas que não solucionam nada, pode dar o primeiro passo para superá-las olhando para Além da Língua - um jeito leve e eficaz de ensinar o público brasileiro, com embasamento científico e resultados incríveis.
Aliás, falando em embasamento: você pode saber mais sobre como o conhecimento enciclopédico, declarativo e procedural influenciam na capacidade de compreender textos em outra língua, clicando aqui e baixando o artigo científico Leitura e compreensão de leitura em língua estrangeira.
A outra opção é continuar caindo na armadilha dos métodos importados, e investindo uma fortuna na próxima "solução" mirabolante que apenas copia o que veio antes com um novo nome.
Afinal, se na caixa de ovos está escrito "contém ovos", é porque tem gente que insiste em não deduzir o óbvio, né?