Felizmente, o termo Linguística Aplicada tem se popularizado. Porém, essa popularização não significa, necessariamente, um avanço na perspectiva crítica dos processos que envolvem a língua – infelizmente, para nós que trabalhamos com a vertente crítica da Linguística Aplicada. Neste primeiro post do blog após um longo hiato, no qual eu aprofundei minhas pesquisas teóricas, convido à reflexão sobre esse tema espinhoso.
Conforme podemos depreender do nome, a Linguística Aplicada surgiu como sub-ramificação da Linguística, como se fosse uma mera aplicação da ciência linguística. Portanto, essa nomenclatura reflete a pressuposição de que a ciência de verdade é aquela "pura", teórica, distante do povo e hermeticamente fechada ao leigo.
Em outras palavras, a Linguística sempre se preocupou muito pouco com os problemas concretos relativos à linguagem, enquanto fenômeno social, por causa da ideia de que a “verdadeira” ciência é abstrata e formal, não se misturando com a vida cotidiana. E, desse modo, ela foi se aproximando da psicologia e das ciências exatas.
Outro pressuposto comum da época era o de que linguistas devem se manter distantes da opinião leiga a respeito da linguagem: só profissionais da linguística deveriam ter direito à opinião sobre os fenômenos da língua, e qualquer comentário de um falante nativo sobre a própria língua deveria ser desconsiderado. Absurdo, né?
No período da Guerra Fria, a Linguística era a ciência do momento! Acreditava-se que nela estavam todas as respostas para derrotar os inimigos, por meio da decodificação de mensagens criptografadas. Pesquisas na área recebiam amplo financiamento – inclusive de órgãos como o Exército ou a Marinha dos EUA!
Assim, entre os anos 1960 e 1970, a Linguística Aplicada era voltada para o ensino-aprendizagem de línguas, e especialmente atrelada à língua inglesa e aos interesses políticos e econômicos dos países onde o inglês é falado: literalmente, uma aplicação da Linguística enquanto ciência abstrata ao ensino de línguas na prática.
Aos poucos, o prestígio da Linguística enquanto ciência foi se perdendo. Percebeu-se que, ao pesquisar a língua, não é possível não nos aproximarmos de nossos sujeitos de pesquisa: uma teoria capaz de instruir a prática é aquela elaborada levando em conta as condições práticas das situações concretas de uso da língua.
É por isso que, hoje, a área da Linguística Aplicada se encontra numa nova era, adquirindo os contornos de ciência social, calcada na práxis política e pedagógica. Afinal, a língua é um fenômeno social, e deixar de lado o elemento social para ensinar língua com base em formalismos gramaticais é a receita para o fracasso.
Mas isso, todo mundo que ensina língua já percebeu.
Baseado em:
RAJAGOPALAN, Kanavillil. Repensar o papel da linguística aplicada. In: MOITA LOPES, Luiz P. Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006, pp. 149-168.
Este texto foi escrito em linguagem neutra de gênero. Doeu? ;)
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