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Competência técnica e compromisso político

Há uma relação indissociável entre a competência técnica e o compromisso político do professor. A competência profissional docente é uma competência técnica da profissão, é o “domínio do conteúdo do saber e dos métodos adequados para transmitir esse conteúdo do saber escolar a crianças que não apresentam as precondições idealmente estabelecidas para sua aprendizagem” (MELLO, 1982, p. 145, apud SAVIANI, 2003, p. 37). Essa competência é mobilizada pelo para cumprir o compromisso político de estimular nos alunos a reflexão crítica.


Paolo Nosella (1983), por sua vez, temia que o conceito de competência técnica evocasse os princípios da já descreditada pedagogia tecnicista, e questionava a própria ideia de competência, por ser esta definida conforme a ideologia dominante. Para este autor, seria necessário iniciar por uma distinção entre a cultura enciclopédico-burguesa e a cultura histórico-proletária.


Dermeval Saviani, antigo orientador de Nosella e Mello, procurou tecer uma síntese sobre competência técnica e compromisso político no segundo capítulo do livro “Pedagogia Histórico-Crítica” (SAVIANI, 2003). Para ele, o saber técnico não pode isentar do compromisso político; “é justamente porque a competência técnica é política que se produziu a incompetência técnica dos professores”, pois ao professor esvaziado de seu conteúdo e de sua metodologia resta apenas a técnica sem competência (SAVIANI, 2003, p. 30).


Assim, “ao adquirir competência o professor ganha também condições de perceber, dentro da escola, os obstáculos que se opõem à sua atuação competente” (SAVIANI, 2003, p. 37); em outras palavras, é parte da competência técnica a capacidade de buscar alternativas ao fracasso escolar dos alunos menos privilegiados: a competência técnica precede o compromisso político”, e é por meio dela que compromisso político se realiza.



Por esse motivo, interessa à classe dominante o esvaziamento da competência técnica docente.


Mas você pode estar se perguntando: por que reavivar esse debate de décadas atrás?



Porque essa é uma questão pertinente para a formação de professores. Se quem ensina deve dispor de competência técnica e aliá-la ao compromisso político, como deve ser a formação desse profissional? Para Saviani (2003), é necessário conhecer tanto a disciplina quanto a estrutura em que a escola se insere, compreendendo ainda as relações entre o preparo técnico que recebeu, a organização da escola e os resultados de sua ação.


A apropriação desse tipo de conhecimento é mais comum nas licenciaturas em Pedagogia, e bem menos comum na formação de professores de línguas. Por isso, precisamos pensar de que maneira o compromisso político do professor, reforçando seu papel de educador, pode e deve se estender ao trabalho com línguas. Leffa (2005) contrapõe da seguinte forma a ênfase na questão metodológica e a ênfase na questão política na educação linguística: enquanto a primeira parte do princípio de que aprender uma língua depende da metodologia usada pelo professor, a segunda reconhece que o problema se estende para muito além da sala de aula.


O mesmo autor (LEFFA, 2005) defende uma perspectiva política no argumento de que o papel político do professor de línguas é o de mostrar novas perspectivas aos alunos, porque a aprendizagem de uma língua pode ser uma ameaça para a colonização da mente. Segundo o autor, é a colonização da mente que perpetua a dominação dos países centrais sobre os periféricos, levando ao aumento das desigualdades sociais.


Por sua vez, uma visão política do ensino da língua deve levar a uma apreciação da língua do outro e a um convívio democrático com a diversidade (LEFFA, 2005, p. 203). Essa visão está de acordo com o pensamento decolonial, isto é, com a opção por considerar que a perspectiva imposta pelo grupo hegemônico é somente uma dentre diversas perspectivas possíveis, sem colocá-la como a mais correta ou a única válida.


E é aqui que chegamos ao conceito de Educação Linguística como deve ser compreendido e construído na atualidade. Porque o ensino de línguas é uma das áreas mais afetadas por essa despolitização do papel docente.


A professora de línguas tem sido destituída de sua agência política enquanto é monitorada por órgãos internacionais, que visam garantir a reprodução dos padrões linguísticos determinados pelos países hegemônicos.


Essas práticas persistem no ideal mais do que ultrapassado de pureza do falante nativo, deixando de lado o papel formativo da aprendizagem de línguas e a conscientização política que deve fazer parte dela.


A colonialidade está em tudo. É preciso reconhecê-la para combatê-la.


Substituir o endeusamento da metodologia pelo convite ao olhar crítico para a realidade. Deixar de lado as quadradas diretrizes “internacionais”, que de internacionais não têm nada, e agir para transformar a realidade local dos nossos alunos. Levá-los a desenvolver mais perguntas do que respostas.


Ou podemos continuar fazendo tudo exatamente igual, e reclamando que o aluno não faz a tarefa de casa e tem preguiça de falar.




 

Baseado em:


GRILLI, Marina. Por uma educação linguística Translíngue e Decolonial: questões para o ensino de alemão. Revista Iniciação & Formação Docente, v. 7, n. 4, 2020b, pp. 904-930.



Inspirado em:


MELLO, Guiomar Namo de. Magistério de 1º grau: da competência ao compromisso político. São Paulo: Cortez, 1982.


NOSELLA, Paolo. Compromisso político como horizonte da competência técnica. Educação & Sociedade, 5(14), 1983, pp. 91–97.


SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica. Primeiras aproximações. 8. Ed. revista e ampliada. Campinas: Autores Associados, 2003.

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