Depois de algumas semanas refletindo sobre a colonialidade na língua, vamos nos voltar para uma questão prática do ensino?
Durante a minha pesquisa de doutorado, realizei quatro sessões de uma oficina interativa com professores de alemão, nas quais apresentei algumas situações típicas pelas quais passa quem ensina língua para o público brasileiro.
Uma delas foi enunciada da seguinte forma: alguém entra em contato com você e começa a fazer aulas particulares de alemão. Poucas semanas depois, ela comenta que também está fazendo aulas de espanhol. Então, você nota que o rendimento começa a cair: as tarefas de casa já não têm a mesma qualidade, o interesse nas aulas parece ter diminuído. O que você faz?
Naturalmente, a pergunta se aplica a qualquer outro par de línguas adicionais que alguém decida aprender, e o dilema se aplica a quem ensina qualquer língua de prestígio no Brasil. Porque o ponto principal nessa proposta reflexão é a forma como naturalizamos o monolinguismo.
Em todas as edições da oficina que realizei, ao menos um participante mencionou que pode ser muito desafiador cursar duas línguas adicionais ao mesmo tempo. Alguns brincaram que se sentiriam frustrados e com certo “ciúme” da professora de espanhol. Esses comentários levaram a uma reflexão, breve mas interessante, acerca do modelo tradicional de ensino-aprendizagem: uma obrigação a ser desempenhada com exclusividade, em um espaço separado e livre de interferências de quaisquer outros interesses do aprendiz e aspectos de sua vida.
Em sua maioria, eles pareceram não menosprezar os obstáculos que podem advir do estudo do espanhol, apesar de o senso comum afirmar que aprender espanhol é fácil demais para brasileiros. Nesse sentido, a postura dos participantes foi aquela que se espera de educadores linguísticos profissionais.
De fato, o sistema de ensino brasileiro ainda está muito preso a parâmetros de homogeneização e padronização dos aprendizes. Segundo Ana Paula Duboc (2015, p. 668), trata-se de um modelo positivista de educação, “que ‘transmite’ uma verdade universal e acabada a um sujeito que a recebe de maneira diretiva e que a devolve a contento de modelos previamente determinados pela instituição escolar”. Os professores que participaram da oficina em questão parecem já ter se desvencilhado dessa mentalidade.
Além disso, participantes de todas as sessões da oficina observaram que o aprendiz em questão pode se sentir desmotivado ao perceber uma evolução muito mais lenta no curso de alemão do que no curso de espanhol.
Como solução para o dilema, enquanto alguns participantes da oficina propuseram uma conversa franca com o aluno em questão, redefinindo seus objetivos com o aprendizado do alemão e a carga horária de dedicação esperada. Outros sugeriram que as aulas de alemão retomassem os temas trabalhados nas aulas de espanhol, a fim de manter o interesse da aluna.
O ponto-chave aqui é não tratar o contato com várias línguas como um problema, e sim, como um fato comum - e que deveria, inclusive, ser ainda mais comum. Não vamos nos esquecer de que o monolinguismo foi inventado artificialmente pelos europeus como parte do projeto de colonização, tornando mais fácil a imposição de suas línguas aos povos subalternizados.
Nesse sentido, as melhores sugestões dos participantes da oficina foram a elaboração de listas comparativas de palavras e expressões em alemão e espanhol e a prática de contar à professora de alemão o que está sendo aprendido na aula de espanhol. Também é possível trazer curiosidades sobre países de língua espanhola na aula de alemão, e até mesmo entrar em contato com a professora de espanhol para sugerir que esse tipo de troca seja sistematizado.
Fica aí a reflexão para quem ensina qualquer língua de prestígio a alunos brasileiros: você está preparada para formar um aluno plurilíngue?
Baseado em:
GRILLI, Marina. A práxis pedagógica no ensino de alemão: reflexões formativas. Revista Projekt, n. 60, 2021, pp. 22-30.
Inspirado em:
DUBOC, Ana Paula Martinez. Avaliação da aprendizagem de língua e os multiletramentos. Estudos em Avaliação Educacional, v. 26, n. 63, 2015, pp. 664-687.