O novo mapa múndi do IBGE que traz o Brasil ao centro tem angariado elogios de todos os lados. E isso é péssimo.
Sim, é verdade que se trata de um passo importante para que o povo brasileiro construa uma percepção de que não precisa ser relegado à periferia do mundo. Afinal, a Terra é redonda.
E, justamente por isso, todos os problemas do conceito que temos de representação do mundo continuam presentes nesse novo mapa.
Vamos começar pela proporção. Você sabia que o território brasileiro é quatro vezes maior que o da Groenlândia? Que a França é do tamanho da Bahia, a Itália é do tamanho do Maranhão, e a Alemanha, do Mato Grosso do Sul?
Dê uma olhada nos tamanhos reais dos países do Norte:
Outra questão é o posicionamento do Norte na parte de cima. Já parou para pensar nisso? O que determina que o Norte está acima, e o Sul, abaixo? Já te respondo: o que determina isso é a mentalidade do colonizador, que se julga superior aos povos do Sul Global - e maior do que eles, também.
Outra representação do mundo mais fiel aos reais tamanhos dos países é esta abaixo: o mapa de Gall Peters.
Sim, é verdade que qualquer representação bidimensional de uma esfera será distorcida. Mas se você acompanha este blog há algum tempo, já sabe que absolutamente tudo é motivado por ideologia. O mapa acima, por exemplo, "escolheu" distorcer as distâncias em vez de quadruplicar os países do Norte. Não é difícil, né?
Você já viu um mapa da América do Sul invertida, com a ponta do Chile virada para cima? Ele foi criado pelo físico brasileiro Marcio D'Olne Campos em 1992, e mencionado até por Paulo Freire em seu último livro publicado em vida, a Pedagogia da Esperança.
E aqui cabe outra pergunta: por que considerar o Sul para cima como "invertido"? Quem decidiu que o Sul na parte de baixo é o "correto"? A resposta é a mesma de antes.
É daí que vem o termo "sulear", criado pelo mesmo físico, e que tão bem conversa com o pensamento decolonial sul-americano - pois é, apesar de fingir o contrário, o Brasil faz parte da América do Sul e da América Latina. ("Latina" essa que também é uma nomenclatura colonial, mas esse é assunto pra outro texto.)
E é disso que o povo brasileiro está precisando: de suleamento. Nem de norteamento, nem de orientação. Porque estamos há séculos seguindo ordens de povos supostamente "mais evoluídos", e isso só vai mantendo o nosso povo afastado da liberdade e da autonomia em tantos quesitos.
Não é difícil perceber o quanto a falta de suleamento prejudica o desempenho do povo brasileiro em aprender outras línguas. Quem somos nós diante da magnitude dos Estados Unidos e do Canadá? Mesmo os países europeus, tão menores que o Brasil, são tão sofisticados e funcionam tão bem. África? Bem, ela está lá. É um amontoado de países pequenos e irrelevantes. Mas lá tem muitas línguas. Aqui, não. Aqui é difícil.
E essas ideias vão sendo vendidas para garantir que o brasileiro continue distante do conhecimento emancipador. Somos pequenos, muito distantes da bem-sucedida América do Norte, separados por um oceano da majestosa Europa e da multilíngue África. Uma imagem que reforça aquilo que nos ensinam desde a mais tenra idade: aprender outra língua é difícil demais, caro demais, demora demais. É coisa pra poucos. Não perca o seu tempo com isso, não.
Posicionar o Brasil ao centro do mundo traz algum conforto para quem crê que pode haver "centro" na superfície de uma esfera. E nós continuamos com problemas muito mais graves para resolver.